sexta-feira, 12 de junho de 2009

A aprendiz por trás da professora

A APRENDIZ PRO TRÁS DA PROFESSORA


Saber, muitos sabem. Mas poucos fazem uso dos melhores ensinamentos.” ( autor desconhecido)

Ao iniciar este memorial sobre minha experiência profissional como educadora, recordo-me com saudade de uma brincadeira solitária da infância, mas que para mim não era tão solitária assim. Hoje percebo que essa brincadeira era já um fantasioso ensaio do que viria mais tarde. Eu dava aulas imaginárias para alunos imaginários. Sim, tudo no plano da fantasia. Muitas crianças brincam de escolinha, com alunos, caderno, quadro e giz, mesmo sendo brincadeira, pelo menos os moldes e objetos são os mesmos da realidade.


Na minha brincadeira não era desse jeito. Eu sou a mais nova de uma família de 5 irmãos e, quando nasci, eles já estavam bem grandes, não brincavam mais. Além disso, não era sempre que tinha alguma amiguinha pra brincar, então, eu criava meu modo de brincar. Havia vários livros didáticos dos meus irmãos em casa, (naquele tempo não havia distribuição de livros na escola e quem quisesse estudar tinha que comprá-los) e eu ia para um quartinho nos fundos e dava aulas para vários alunos, e até o que escrevia no quadro, aliás, na parede, com o dedo, era, digamos, “virtual”.


Como somos inocentes e felizes na nossa infância! Era mágica aquela brincadeira e eu nem me sentia tão sozinha.

Lembrando disso, eu chego à conclusão de que não tinha para onde eu correr mesmo. Ser professora já era uma tendência que se pronunciava e prenunciava desde a infância.


Fiz o curso de Letras Português na UNIMONTES – Universidade Estadual de Montes Claros e me formei em 2002. Durante o curso, havia todo um discurso por parte dos professores de que não estávamos nos formando para ficarmos apenas nas salas de aula, teríamos que ser pesquisadores. Concordo em parte com isso, porque acredito que toda discussão acadêmica acerca do ensino só tem sentido se o objetivo maior for a sala de aula. Imagine se todos os alunos de Letras e de outros cursos resolverem ser apenas pesquisadores? E os nossos alunos, como ficam?


As pesquisas só vão ter sentido se servirem para melhorar o ensino na prática da sala de aula. Do contrário, vira discurso vazio, matéria insossa de compêndio acadêmico. O que acho interessante no Gestar é que ele oportuniza essa dualidade de teoria e prática, isto é, o cursista se capacita e leva o que aprendeu para seus alunos, concretamente.


Gostei muito do meu curso, mas achava certas tendências que circulavam na época muito radicais. E sabemos que a realidade é bem outra. Na “vida real da sala de aula”, encontramos inúmeros problemas, diversas situações de conflito, incontáveis obstáculos. Cada aluno é um enigma a ser desvendado. Cada atitude deles resultará em algo de positivo ou de negativo nas aulas.


Comecei a trabalhar como professora ainda enquanto cursava a faculdade. Minha primeira experiência foi bem difícil. Trabalhei numa escola municipal que tinha já um histórico de indisciplina muito grande. Foi apenas um mês de trabalho, mas deu pra sentir que não seria fácil.


Depois tive a oportunidade de trabalhar com um contrato maior e eram alunos do Ensino Médio e do noturno. Foi uma experiência bem bacana, sobretudo, porque tive dificuldades. Quando não tinha ainda um mês de trabalho, fui chamada pela supervisora que me disse que alunos de uma turma reclamaram de minhas aulas. Ela me deu umas orientações importantes e essa intervenção mudou o rumo de minha atuação em sala de aula. Fiquei, é claro, cheia de receios, nem dormia direito. Mas não fiquei neurótica querendo saber qual foi a turma que não gostou de mim; procurei fazer o meu trabalho e adotar novos mecanismos de aproximação com os alunos. Minha resposta veio nos últimos dias de aula, quando percebi o quanto os alunos tinham mudado comigo. No dia de minha despedida, houve homenagens e festas-surpresa. Uma aluna me confessou que não gostou de mim num primeiro momento, entretanto, com o tempo e com meu jeito acabei conquistando não apenas ela, como toda a turma. Foi um dia muito especial. E todo esse resultado positivo foi graças à intervenção certa, no momento adequado.


Muita gente detesta críticas. Contudo, acho importante ver o lado positivo delas. Receber uma crítica e interpretá-la como algo que me fará crescer é valioso.


Destacar todas as minhas experiências aqui não será possível porque trabalhei em várias escolas, tanto públicas como particulares. Porém, destaco algumas que foram marcantes de algum modo. Trabalhar com EJA _ Educação para Jovens e Adultos – é uma das que considero relevante. É gratificante ver pessoas que, após as vicissitudes da vida, esforçam-se, mesmo cansadas, com diversas tribulações, para conseguir trilhar novos caminhos no mundo da leitura e da escrita. Trabalhei em projetos assim ainda na faculdade no PROES, que era um programa da própria faculdade, e no SENAI com o material do Telecurso.


Passei no concurso do Estado e tomei posse em 2004, um ano e meio após minha formatura. Saí de minha cidade e fui trabalhar na zona rural de Francisco Sá, numa localidade chamada Cana Brava. E com o perdão do trocadilho, foi bravamente que venci tantas dificuldades. Houve momentos em que pensei em desistir, jogar tudo para o alto. A estrada de chão ruim, a poeira, as caronas incertas, os transportes inseguros e perigosos, a distância, os gastos, tudo era desanimador.


Mas havia a ternura do aluno da zona rural que ainda carrega um respeito diferenciado pelo professor. Alunos sofridos, castigados pelas dificuldades. Muitos viajavam quilômetros para chegar à escola e já chegavam cansados. Foi uma vivência importante que me trouxe muita maturidade, não apenas profissional, mas também, pessoal.


De lá para cá, passei por várias escolas, pedindo transferências e mudando de cidade. Já são quase 9 anos de docência e apesar desse tempo todo, sinto que preciso aprender bastante. Acredito muito na ideia de que professores aprendem muito com seus alunos. Até mesmo com os mais indisciplinados.


Não tenho idealizações românticas de minha profissão. E quando entrei nela sabia que não seria fácil. A cada dia, o papel do professor se desdobra, são muitas as funções que ocupamos, são muitos os desafios. O inesperado aparece a cada momento e novas posturas nos são exigidas.


Ensinar, há muito tempo, deixou de ser apenas transmissão de conteúdo. Se fosse só isso, seria simples demais. É instigar, é seduzir, é amparar, é aconselhar, é deslumbrar, é interagir, é repensar, é refletir, é concordar, é estimular. E tudo isso é desafiante.


Fica nessa profissão quem tem coragem para trabalhar, mas sobressai quem tem coragem para ousar. Quem quer curtir a banda passar, não fica só olhando pela janela, entra no bloco também.Desse modo é que vejo que o educador de hoje precisa agir. Não basta ficar reclamando dos alunos, falando mal do salário que já sabemos que não é justo. É necessário buscar as novidades, entrar em contato com as tecnologias, entrar no universo do nosso aluno, estar atento ao que ele ouve, lê, assiste. Não adianta fingir que certas coisas não existem.


Sei que são grandes as dificuldades e não tenho ilusões. Sei que o trabalho é árduo e os resultados, na maioria das vezes, é ínfimo. Há muito o que se fazer, porque a visão de educação em nosso país ainda é distorcida. E ao citar essa distorção, não estou indiretamente me referindo somente aos governantes. Há professores que ainda têm essa visão distorcida.


Ainda sou professora porque tenho dentro mim uma fagulha que não se apaga, apesar do desânimo, apesar de todos os obstáculos, ela insiste em queimar. É a chama da aptidão que existe em mim. E por que não dizer que há nessa chama um toque de paixão. Sim, paixão, prazer pelo que se faz é importante. É isso que me impulsiona a buscar novos textos, outras metodologias, a corrigir o que não deu certo, a repensar a minha prática dia após dia. Se não existir essa paixão, alimentada constantemente, todo o nosso trabalho perde o sentido.


Se os navegadores do passado tivessem pensado apenas nas dificuldades que teriam ao transpor os mares, eles jamais sairiam do lugar e o mundo não seria o que é hoje. Isso vale para nós, educadores, se só visualizarmos os problemas, não agiremos e as escolas se fecharão.


Como diz um verso de uma canção de Milton Nascimento: “... é preciso ter força, é preciso ter garra, é preciso ter gana sempre”,porque ser professor é ser também guerreiro. No entanto, guerreiro para propiciar o saber e construir a paz.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Nas asas da leitura

... pois não é de todo infeliz aquele que pode contar a si mesmo a sua história.” ( María Zambrano, filósofa e escritora espanhola)

Sempre gostei de histórias. Lembro-me até hoje até de remotas historinhas infantis que li nos primeiros anos de primário e de como a biblioteca era para mim um lugar mágico.

Mas antes mesmo de começar minha vida escolar, considero que meu pai foi o meu primeiro incentivador para a leitura. Sempre fomos pobres, no entanto, meu pai tinha uma condição razoável na época que lhe dava ao luxo de comprar livros. Na nossa vizinhança, não havia tantas casas com estantes cheias de livros como na nossa. Ele assinava uma revista que não circula mais, pela qual ele fazia pedidos de livros. Temos uma enciclopédia ilustrada que serviu para muita gente fazer pesquisa, passou por gerações, até meus sobrinhos já usaram. O nome da revista era “Círculo do Livro” e eu adorava quando chegava uma nova edição pelo correio. Havia uma coleção enorme do Sítio do Pica-Pau Amarelo, do Monteiro Lobato, que era uma maravilha. Todos os livros eram de capa dura e quando a coleção ficava completa, pelas lombadas de cada tomo reunidas se formava um desenho. Infelizmente, meu pai não comprou essa coleção. Mas comprou outros livros muito bons.

Muitos desses livros eu ainda não li. Tenho um hábito engraçado de ler primeiro os livros das bibliotecas públicas e os que tomo emprestado de amigos, depois é que vou escolhendo os meus.

Meu pai só tem o antigo ensino primário, mas mesmo assim sabe da importância dos livros. Há tantos pais com curso superior que acham que comprar uma calça de R$200,00 é mais vantajoso que comprar um livro de R$50,00. Contudo, isso é uma outra questão; não quero fazer uma análise da valorização da leitura pela sociedade. Na verdade, quero rever, através desse memorial, como o processo de encantamento pela leitura foi e ainda é importante em minha vida.

Lembro-me também de um livro de contos de fadas que meu irmão tinha e que eu o folheava com indizível prazer pelas páginas e me perdia no tempo. Aliás, será mesmo que eu me perdia? Ou será que eu me encontrava? Havia todos aqueles contos de fadas fabulosos que até hoje fazem parte da infância de muitas crianças: “A Branca de Neve”, “A Gata Borralheira”, “A Bela Adormecida”, entre outros. Até das ilustrações eu me lembro bem. A história do Pequeno Polegar me deixava com medo, mas eu adorava.

Além do universo da leitura proporcionado por meu pai através dos livros que tínhamos em casa, outra pessoa que me influenciou muito foi uma professora de 5º série que, não sei se propositadamente ou não, conseguiu me impulsionar para a leitura e alçar voos mais altos. Numa de suas primeiras aulas, ela fez um desafio a todos nós: instigou-nos a fazer uma espécie de gincana de leitura. Não era bem esse o nome, mas assim nós o entendíamos. Todos iriam ler durante o ano e iriam anotar o nome dos livros numa lista que começaria naquele ano. No final do ano, ganharia um prêmio aquele aluno que lesse o maior número de livros. Eu achei o máximo aquela ideia e fiquei super empolgada porque ler já era uma coisa que eu adorava. Mas não tinha uma leitura muito dinâmica, até hoje demoro ler um livro mesmo gostando muito de ler. Acho que é porque fico saboreando demais as palavras.

Havia colegas que já estavam passando de 20 livros. De muitos eu até desconfiava se era mesmo essa quantidade toda. No final do ano, porém, não me lembro de ninguém ganhando prêmio. Aliás, nem sei se a professora, de quem gostávamos muito, ficou o ano todo conosco, pois muita coisa se apaga de nossa memória com o tempo.

No entanto, penso que o grande prêmio que ganhamos, ou pelo alguns de nós, foi o prazer pela leitura que adquirimos. Talvez o método dela não seja de todo eficaz ou ainda pode não ser considerado correto por especialistas, mas conseguiu atrair alguns alunos para a leitura. Até hoje tenho o hábito de anotar anualmente os livros que já li. Tenho um caderninho com o nome de todos. E só valem os lidos completamente. Os capítulos soltos de obras acadêmicas que lia na faculdade não contam. Acho o número pequeno, não chegam a 300 livros. Mas muitos marcaram minha vida de modo muito especial.

Tive a fase juvenil de ler a coleção da Série Vaga-Lume, depois comecei, ainda no Ensino Fundamental, querer livros “mais sérios”, e li vários livros de Agatha Crhistie, e no Ensino Médio lia livros clássicos da literatura mundial como “O Retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emile Bronte, “O Estrangeiro”, de Albert Camus; e já passeava pela literatura clássica brasileira. Foi nessa época que me deliciei com “A Luneta Mágica”, de Joaquim Manoel de Macedo e ficava imaginando como seria divertido e perigoso ter uma luneta que descobrisse como as pessoas eram realmente.

Além desses, outros me fascinaram como “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, as deliciosas aventuras de Carlinhos de “Menino de Engenho, a intrigante visão de Bentinho sobre a suposta traição de sua esposa Capitu em “Dom Casmurro”, do brilhante Machado, entre outros. São tantos que não saberia dizer qual o preferido, qual o melhor.

E a partir das histórias que lia, foi crescendo dentro de mim um forte desejo de também criar situações, personagens, despertar o fascínio, a emoção e o deleite de quem gosta de ler. Comecei, então, a esboçar minhas primeiras histórias, desde a adolescência. Já comecei inúmeras e não as terminei. Algumas joguei fora, outras guardo para quem sabe terminar, melhorar ou descartar de vez. Até hoje esse projeto continua em forma de esboço. Ainda tenho uma certa insegurança com relação aos meus textos. Parece que me falta ousadia para colocar minhas histórias para apreciação dos possíveis leitores. Mas, quem sabe o próprio blog não irá me ajudar nisso? O diário virtual tem uma característica interessante, é o pessoal ao mesmo tempo público. Suas impressões, opiniões que, muitas vezes ficavam trancafiadas em cadernos íntimos (alguns até com cadeados mesmo), agora são expostas, apresentadas ao público, aos leitores. Será, então, uma espécie de “ensaio” para a aventura maior de publicar um livro?

Não poderia deixar de comentar minha experiência de leitura no âmbito acadêmico. No curso de Letras veio a “consagração da leitura”. Não era só o ler por deleite, mas também para discutir, apreciar, tecer hipóteses, analisar e, a partir de tudo isso, vislumbrar novas possibilidades de interpretação.

Foram muito enriquecedores os trabalhos que fizemos com os livros literários que analisamos. “Vidas Secas”, por exemplo, ganhou uma dimensão inteiramente nova para mim após a leitura analítica por outros prismas que fiz na faculdade. Outros autores e outras obras também ganharam novo enfoque, nova visão. Destaco o professor Osmar Oliva que me fascinava com as discussões que fazia conosco em suas brilhantes aulas.

Enfim, trilhar todo esse percurso, traçado aqui de forma resumida, foi muito revigorante. A experiência de redigir um memorial me fez refletir e reviver momentos que estavam bem escondidos nas gavetas da memória. Foi uma gostosa sensação de reminiscência. Sobretudo, foi uma auto-análise porque não tinha parado para pensar em como minha formação leitora se concretizou em mim. Como que influências poderosas do passado construíram não só a leitora que hoje sou, como também o adulto que me tornei.

Tenho uma filha de dois anos e fico a observá-la com os livros a folhear, a olhar atentamente uma gravura que lhe desperta a curiosidade. E são os livros de português e de literatura que chamam mais sua atenção do que os de histórias infantis que compro para ela. Fico imaginando e torcendo para que ela goste desse universo deslumbrante da leitura tanto quanto eu. É uma viagem transformadora, da qual, infelizmente, poucos participam.

Existe uma frase que já virou quase um jargão, mas que apresenta uma verdade: “ler é uma viagem”! É uma viagem com partidas, a princípio, incertas, mas chegadas surpreendentes. Por isso, quero estar sempre com uma “passagem” no bolso, pronta para embarcar em mais um mundo fantástico.